Refletindo acerca dos Estudos de Ricardo Lagos e sua Aplicação na Criminologia: Leitura em Prol da Gestão da Defesa Social
Introdução
O presente trabalho, objetivamente, é uma leitura comentada do "paper" de Ricardo Lagos --A Economia do Crime-- no qual elabora acerca de conceitos previamente desenvolvidos por ele, Burdett e Wright no artigo--Crime, Desigualdade e Desemprego. Eles são parte de uma linhagem de pesquisadores iniciada por Gary Becker, Prêmio Nobel de Ciência Econômica de 1992, autor de pesquisas pioneiras em análise econômica do crime
Ricardo Lagos começa por apontar que o fenômeno da criminalidade é uma questão política de tamanha "sensibilidade" nos dias atuais, que os operadores políticos passaram a ter de arcar, em suas carreiras, com os ônus decorrentes da efetividade com que enfrentam esse grave fenômeno social. O atributo de haver conseguido controlar a criminalidade é hoje algo bastante raro no "portfólio político" dos executivos do nosso tempo. Exceção à regra, Rudolph Giuliani, enquanto prefeito da cidade de Nova Iorque (1993-2002), logrou tornar-se uma celebridade internacional em função do sucesso de seu famoso programa de segurança pública, o "Tolerância Zero".
A maioria absoluta das vezes, o tema do controle da criminalidade se apresenta mais renitente do que ameno, em termos da efetividade das políticas públicas adotadas para a gestão da defesa social. Em grandes cidades brasileiras, caso do Rio de Janeiro e São Paulo, a temática da segurança vem adquirindo uma posição tão central entre as questões públicas, que já chega mesmo a condicionar as intenções de voto. Especificamente no Rio de Janeiro, o programa das "Delegacias Legais", exitosamente implantado pelo governador Anthony Garotinho, recentemente foi destaque no relatório de Nigel Rodley, representante da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e que visitou o Rio de Janeiro em missão de "fact finding" (busca de fatos, ou exploratória) sobre a tortura no Brasil.
Lagos cita o exemplo do Primeiro-Ministro da Inglaterra, Tony Blair, atualmente empenhado na difícil tarefa de tentar reverter aumentos significativos dos índices de criminalidade, isso depois de vários anos em que o fenômeno apontava tendência decrescente naquele país. O número de assassinatos em Londres subiu 20% em 2000. Tal situação tem paralelo com a brasileira, com o Governo Federal tentando criar rapidamente uma superestrutura central de gestão da segurança pública (Secretaria, Plano e Fundo Nacional de Segurança Pública), no intuito de contribuir para a contenção do clima de violência e delinqüência reinante do país, fenômeno hoje mais que visível nos entes federativos brasileiros. A esse respeito, é emblemático o episódio de seqüestro de um transporte coletivo no Rio de Janeiro, no ano 2000 (o "ônibus 174"). Tal ocorrência policial, amplamente coberta pela mídia televisiva brasileira, "ao vivo", durante várias horas, plasmou em perplexidade o aprofundamento da sensação de insegurança já instalada no país, estabelecendo o anti-clima para o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) em junho de 2000.
É sempre difícil contextualizar a situação da criminalidade brasileira com a de grandes países desenvolvidos, caso dos EUA, Inglaterra ou França. É preciso levar em conta que, somadas, a população de Londres e a de Paris eqüivalem à da cidade de São Paulo, ou seja, perto de 10 milhões de habitantes. O total de homicídios registrados nas duas capitais européias, porém, não passou de 270 ocorrências no ano 2000, enquanto só em São Paulo ocorreram 5300 ocorrências desse tipo no mesmo período. No Rio de janeiro, outros tantos 2600 homicídios aconteceram em 2000.
Ainda que consideradas as diferenças entre o Brasil e outros países, também é aplicável a ele a tendência que Lagos identifica no discurso global de "endurecer com a criminalidade e tornar a polícia mais efetiva no seu controle". Esse paralelo fica materializado, entre outras iniciativas recentes de "endurecimento", nas propostas de mudanças na legislação no que concerne os chamados "crimes hediondos" e os controvertidos clamores pró e contra a diminuição da idade de responsabilidade penal. No Brasil, no intuito específico de aumentar a efetividade policial foram feitos investimentos de mais de R$300 milhões em 2000, em nome do PNSP e do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). O Governo Federal vem buscando, entre outros objetivos, melhorar os equipamentos e adensar as atividades de treinamento das 54 polícias estaduais brasileiras.
Retórica e discursos a parte, Lagos questiona se "não é hora de repensar os métodos tradicionais de lidar com o crime", aduzindo que "uma quantidade cada vez maior de pesquisas sobre a economia do crime parece indicar que sim". E é nesse sentido que fazemos uma "leitura brasileira" do que seja a economia do crime e dos potenciais benefícios em melhor compreendê-la.
O crime piora cada vez mais...
Ao apontar que "índices crescentes de criminalidade criam um clima alarmante para o público, ao mesmo tempo que desencadeiam um clamor pelo endurecimento em relação ao tema", a perspectiva balizada por Lagos também é aplicável ao Brasil. Isso é bastante pertinente à realidade brasileira atual, ainda que só muito recentemente, no final de 2001, tenham sido finalmente produzidas, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça (MJ), as primeiras estatísticas criminais oficiais nacionais. Foi noticiado, inclusive, ter havido uma certa reserva, da parte do MJ, em tornar públicos os números extremamente altos que correspondem à criminalidade brasileira. Evidente que a gravidade do fenômeno já era percebida, ainda que sem os índices oficiais, já que mesmo enquanto "objeto difuso" a criminalidade é sempre "sentida", porquanto tema intensamente visto, falado, ouvido e noticiado.
Lagos questiona se o encaminhamento do problema da criminalidade realmente deva passar, necessariamente e apenas pela solução clássica de "responder ao crescimento dos índices despejando dinheiro em atividades que possibilitem prender e encarcerar a maior quantidade possível de delinqüentes, condenando-os a penas cada vez mais rigorosas".
Seguramente o pesquisador da "London School of Economics" refere visão e práticas modernas da prevenção, ao invés da ortodoxia de apenas reagir ao fenômeno da criminalidade. Em verdade, argumenta Lagos, "a tendência de longo prazo na maioria dos países é de taxas estáveis de crescimento da criminalidade", isso considerando, em conjunto, flutuações sazonais dos índices de criminalidade no transcurso de tempo de grandes séries históricas.
Tudo leva a crer que o Brasil deva estar no primeiro quartil de escalonamentos decrescentes de índices internacionais de criminalidade, isso porque os índices pioneiramente divulgados pelo Ministério da Justiça (ao final de 2001, números referentes a 2000) apontam taxas nacionais de homicídios situadas em faixa superior a duas dezenas de homicídios por 100 mil habitantes. Dados recentes da ONU (1997) mostram que poucos países apresentavam taxas de homicídios tão altas como as do Brasil (23,52), à exceção de nações como a África do Sul (60,56), Colômbia (57,94) e Albânia (46,39). Daí porque, talvez não seja aplicável a suposição de estabilidade histórica à criminalidade brasileira. Contudo, quiçá possamos considerar aplicável, também no Brasil, a observação do cientista da Universidade Nova Iorque de que "o quadro atual de tendências leva a um questionamento da eficácia dos métodos tradicionais em lidar com o crime".
O professor e pesquisador em Econometria remonta então a conceitos clássicos da criminologia e respectivos paradigmas da moderna análise criminal. Refere-se ele, subsidiariamente, porquanto em trabalho específico da área econômica, que a criminalidade estaria condicionada por uma vasta gama de fatores (variáveis independentes) contribuintes para o entendimento do comportamento criminal dos indivíduos (variável dependente). Cita, especificamente, entre tais fatores, faixa etária, gênero, escolaridade, características do núcleo familiar e pertinência dos indivíduos a determinados estratos sociais e econômicos.
Central na abordagem metodológica de Lagos, pondera que a despeito dos mecanismos envolvendo as variáveis clássicas citadas, "desde as primeiras análises econômicas do crime, realizadas em 1968 por Gary Becker, os economistas vêm ficando cada vez mais convencidos de que incentivos de ordem econômica podem ser fatores determinantes no envolvimento dos indivíduos com o crime (ao menos no que diz respeito aos delitos contra a propriedade)". Assim, Ricardo Lagos passa a analisar a criminalidade, na mesma abordagem de alguns outros pesquisadores da área econômica, com o instrumental próprio do "ofício" dos cientistas econômicos que seguem a tradição econométrica. Isso certamente faz de suas formulações particularmente interessantes para a moderna gestão da segurança pública, sob a ótica de uma abordagem eminentemente centrada na prevenção, província da doutrina da "defesa social".
Lagos, na tradição de pesquisa de Gary Becker, traz a baila o conceito de "custo benefício do crime", fazendo-o central em suas formulações. Cita, especificamente, que "o que existe em comum numa grande quantidade de teorias e pesquisas é considerar que as ações ilícitas dos criminosos de carreira (contumazes) subentenda uma avaliação individual, da parte deles, da relação custo benefício em delinqüir". Assim é que o entendimento da maneira como os criminosos reagem a incentivos econômicos poderá permitir o estabelecimento de "instrumentos novos e úteis" para a formulação de políticas de defesa social, tudo com o objetivo específico de controle do fenômeno da criminalidade.
A equação básica
Ricardo Lagos observa que "de um ponto de vista individual, o elemento primordial do processo decisório de delinqüir é estimar o chamado índice de retorno". Através dessa estimativa, seriam considerados os possíveis resultados do cometimento de um ilícito e deliberado sobre seu cometimento ou não. Segundo a teoria em exame, o cometimento da ação criminosa, na avaliação do potencial delinqüente, dependeria de três fatores: "(i) o tamanho da "recompensa" proporcionada pelo cometimento do crime (na suposição de que a ação criminosa fosse bem sucedida); (ii) a probabilidade de ser preso e condenado e (iii) o rigor da pena a cumprir (na suposição de que a ação criminosa malogre)".
O "custo de oportunidade" do engajamento em atividades criminais seria estimado através do índice de retorno em relação ao cometimento do ilícito. Isso dependeria do salário pago em atividade lícita em que o indivíduo pudesse encontrar emprego; da disponibilidade de tal emprego (as chances de encontrá-lo estando o indivíduo desempregado ou, em estando empregado, as chances de manter tal emprego); garantia de renda durante períodos de desemprego e oportunidades futuras de emprego (expectativa de renda e probabilidade de manutenção da renda atual)".
Num raciocínio de entendimento bastante óbvio, até mesmo pelo senso comum, Lagos postula que isolando a gratificação potencial proporcionada pelo cometimento do crime (de correlação positiva ou relação direta com o índice de criminalidade), seja de se esperar uma correlação negativa (ou de relação inversa) entre os outros fatores e o índice ou taxa de criminalidade. Ou seja, (i) quanto maior o tamanho da "recompensa potencial" em delinqüir, maiores serão os índices de criminalidade, enquanto que, ao contrário, (ii) quanto maiores as probabilidades de prisão e de apenamento rigoroso, menores serão os índices de criminalidade.
Referindo-se ao potencial de utilização desse tipo de modelagem teórica, tipicamente econômica em sua especificidade para análises de padrões de comportamento humano, Ricardo aponta que "se os criminosos contumazes respondem ao índice relativo de retorno do crime de conformidade com as variáveis citadas, é possível antever que mudanças e tendências nos índices de criminalidade (variável dependente) possam ser associadas a mudanças e tendências nos seus fatores determinantes (variáveis independentes)". Lagos parece então sugerir que o conhecimento do índice relativo de retorno do crime pode indicar à gestão da segurança pública novas possibilidades de controle do fenômeno. A questão, e é ele próprio que levanta, "é de quanto de evidência existe para que fiquem estabelecidas as correlações apontadas".
A situação dos Estados Unidos da América (EUA) quanto à aplicabilidade dos conceitos da Economia do Crime: fartura de dados e informações.
A "tecnologia do conhecimento" tem grande aplicação na área de gestão da justiça criminal norte-americana. Representam, hoje, paradigmas internacionais de quantificação e qualificação de expressões nacionais da violência e da criminalidade, os vários instrumentos concebidos nos EUA para orientar a gestão da segurança pública e da defesa social. Entre eles, sobressaem o "Uniform Crime Report Systema" (UCRS), o "National Incident Based Report System" (NIBRS), a National Crime Victimization Survey" (NCVS) e o "National Crime Information Center" (NCIC).
A boa qualidade de dados e informações produzidas sobre a criminalidade nos EUA permite visões e análises bastante acuradas do fenômeno, mormente através pesquisas instrumentadas por metodologias quantitativas, certamente o caso da abordagem "econométrica" de cientistas da linhagem teórica de Gary Becker, incluindo Ricardo Lagos e colaboradores (K.Burdett e R.Wright).
Segundo Lagos, "as taxas de criminalidade dos EUA diminuíram significativamente nos últimos 20 anos: o índice de 5,95 por 100 habitantes, em 1980, passou para 5,09 em 1996. Ainda segundo o pesquisador, "a redução mais nítida aconteceu no índice de crimes contra a propriedade, caindo de 5,60 por 100 habitantes em 1980 para 4,65 por 100 habitantes em 1996 (queda de 17%)".
Ricardo Lagos cita que "pesquisas recentes de Imrohoroglu e colaboradores investigaram detida e precisamente as razões do declínio dos crimes contra a propriedade nos EUA no período 1980-1996". De fato eles o fizeram, e com tanta propriedade, que a modelagem metodológica proposta pode acomodar com precisão não apenas os comportamentos dos indíces de criminalidade contra a propriedade na série histórica considerada (1980-1996), mas também nos últimos 25 anos. Imrohoroglu e colaboradores identificaram mudanças significativas nas variáveis independentes atuando sobre expressões do fenômeno da criminalidade. Conforme apontado por Lagos, são elas: (i) a fração do PIB aplicada em gastos com a polícia, (ii) a taxa de esclarecimentos de crimes contra a propriedade e (iii) os salários reais.
O autor aponta as seguintes mudanças substanciais na relação variáveis independentes versus índice de criminalidade (1980-1996): (i) a fração do PIB aplicada em gastos com a polícia saiu de 0.6% para 0.7%, implicando numa maior efetividade policial, atributo traduzido no incremento da taxa de esclarecimentos de crimes, aumentada de 16.8% para 18.5% (implicando em aumentarem as chances dos criminosos serem presos) (ii) o salário mínimo real foi aumentado de $16,770 para $18,670 (valores indexados para 1990), implicando num aumento dos custos de oportunidade da delinqüência. Ou seja, passou a ser "mais arriscado delinqüir", ao mesmo tempo que passou a "valer mais a pena trabalhar".
Some-se a isso o fato de que, com a mudança da estrutura demográfica dos EUA, houve uma diminuição relativa do tamanho do estrato jovem da população, o que contribuiu para uma diminuição do próprio grupo de risco para autoria de delitos, inclusive aqueles contra a propriedade. Lagos elabora sobre esse tema, ao afirmar:
"os fatores demográficos são muito importantes, já que uma porção significativa dos crimes cometidos nos EUA são per perpetrados por indivíduos do grupo populacional de 18 ou menos anos de idade. Enquanto em 1980 o estrato populacional de 15 a 25 anos representava 20,5% da população, tal quociente caiu para 15,1% em relação à população total estimada para 1996. Considerando que indivíduos jovens possuem uma propensão maior de engajar em atividades criminais, a redução do seu percentual na população total, fruto de uma transição do perfil demográfico, certamente terá contribuído para um declínio nos índices nacionais de criminalidade."
A certeza da prisão e do rigor das penas fazem uma diferença...
O pesquisador da Universidade de Nova Iorque observa ainda como pesquisas recentes dão conta do fato de que certos grupos demográficos respondem, de modo específico, a estímulos para a delinqüência. Mais uma vez, a prevalência de criminosos com origem nos estratos populacionais mais jovens é de particular interesse.
Lagos cita ainda que, a despeito do índice geral de criminalidade nos EUA ter caído nos últimos 20 anos, o concurso de autores jovens aumentou significativamente nesse mesmo período. Entre 1978 e 1993, por exemplo, houve um incremento de 177% nas prisões de indivíduos jovens pelo cometimento de homicídios, enquanto a participação dos adultos caiu em 7% no mesmo período. De maneira análoga, a taxa de prisões de jovens por crimes violentos cresceu 79%, enquanto o incremento no grupo dos adultos foi de apenas 31%. Ricardo indaga acerca das possíveis razões para essa tendência...
Steven Levitt, segundo Lagos, examinou a possibilidade de que a diferença de padrão no cometimento de crimes, por jovens e adultos, pudesse ser atribuída a uma "resposta racional" às diferentes possibilidades em termos de certeza e rigor de penas aplicadas diferenciadamente a delinqüentes dos dois grupos.
De acordo com as medidas tomadas acerca da certeza da condenação e do rigor das penas aplicadas, Levitt observou que em 1978 o rigor das penas aplicadas aos jovens equivalia, aproximadamente, ao observado na aplicação de penas a indivíduos adultos. Elas passaram a ter apenas metade desse rigor a partir de 1993. A análise sugere que 60% do diferencial dos índices dos dois grupos pode ser atribuído à diferença no rigor do apenamento aplicado a jovens e adultos. Isso parece apontar que os jovens efetivamente levem em conta diferenças no grau de certeza e rigor da aplicação das penas ao cogitar delinqüir.
Lagos aponta que uma outra análise parece apoiar o argumento anterior: existe uma nítida diferença no envolvimento de jovens com a delinqüência quanto à jurisdição em que eles serão julgados (tribunais da justiça juvenil ou da justiça comum). Quando os crimes violentos cometidos por jovens são julgados em tribunais comuns, observa-se duas tendências bastante distintas: (i) uma queda da ordem de 4% nas taxas de participação de jovens nesses crimes, isso nos estados em que a justiça juvenil é leniente em relação à justiça comum e (ii) um crescimento da ordem de 23%, nas mesmas taxas, nos estados onde a justiça juvenil é mais severa que a comum.
Os salários também são importantes...
De acordo com pesquisas desenvolvidas por Jeffrey Grogger, os salários pagos à população jovem mostram uma correlação negativa com os índices de crimes cometidos por indivíduos desse estrato demográfico. Grogger documentou a relação entre níveis de salário e índices de criminalidade, concluindo que o comportamento criminal entre jovens é altamente dependente de seus potenciais ganhos salariais em atividades legítimas. Um incremento de 10% nos salários produz uma redução de 6 a 9% da criminalidade entre jovens. A situação concreta, no período do meio da década de 70 aos dias atuais, aponta uma queda aproximada de 20% no salário real da população jovem, o que, na análise de Grogger, deve ter produzido um acréscimo de 12 a 18% da participação do estrato jovem nos índices de criminalidade.
Vale notar que as conclusões dos estudos de Grogger também abrangem a questão da participação diferenciada de brancos e negros na criminalidade norte-americana. Ricardo Lagos aponta a já bem conhecida situação de que indivíduos de características negroides, nos EUA, percebam menores salários que caucasianos (brancos), mesmo quando todas as outras características individuais são equivalentes (idade, educação, experiência e tipo de trabalho anterior). Também é do professor de economia da Universidade de Nova Iorque a assertiva de que os registros policiais norte-americanos apontam uma participação relativamente maior de indivíduos com características raciais afro-americanas na atividade criminal. Os estudos e análises de Grogger parecem sugerir que isso também esteja vinculado ao fenômeno do mercado de trabalho. À disparidade de renda entre negros e brancos corresponderia um terço da participação diferenciada desses grupos em atividades criminais. Lagos cita também pesquisas recentemente realizadas pela "London School of Economics" apontando forte evidência da existência de uma correlação negativa entre salários e criminalidade (quanto maior o primeiro, menor o segundo, e vice-versa).
As Lições para os formuladores de políticas públicas...
É voz corrente, no Brasil atual, ainda que sob a égide do senso comum, que o grau de intensidade da desigualdade social e da prevalência do crime sejam categorias positivamente correlacionadas (aumentam e diminuem em ordem direta). Lagos e suas várias formulações ao longo do artigo "Economics of Crime", só vem a corroborar, com robustos argumentos, prenhes da confiabilidade resultante do rigor da pesquisa acadêmica, a idéia de que "existe uma clara correlação entre certos "incentivos" e o crime". É ele quem observa que tais "incentivos" devam ser entendidos de maneira bastante ampla, a começar da certeza da sanção e da severidade da pena, incluindo outros fatores que explicitamente impliquem em custos e benefícios diferenciados quanto ao cometimento de crimes.
Todas as fortes evidências apresentadas no artigo em exame, correlações inclusive, aponta o autor Ricardo Lagos, "deverão servir para que ao menos alguns analistas as levem em conta quando da formulação de políticas de controle da criminalidade". E prossegue, "a constatação da existência de uma relação direta, freqüentemente encontrada entre as medidas de desigualdade de renda e de taxas de criminalidade contra a propriedade, por exemplo, já levou alguns economistas a sugerirem taxação redistributiva como política de combate à criminalidade". Lagos também refere pesquisas recentemente realizadas por ele próprio, e por outros economistas, nas quais recomendam, em situações específicas, a concessão de "benefícios mais generosos a título de seguro desemprego, porquanto servirão como redutores dos índices de criminalidade". Observa, entretanto, a necessidade de manutenção da certeza da ação da justiça e da severidade de suas penas, já que, em caso contrário, aumentos no seguro desemprego podem ter "efeitos ainda mais perversos na questão da criminalidade".
Como "nota final", epílogo do seu interessantíssimo trabalho, o celebrado economista pontifica:
"formuladores de política públicas tendem a buscar encaminhar problemas econômicos com o instrumental da economia, e os do crime com os instrumental da criminologia. Assim é que as questões do desemprego são tratadas com propostas de benefícios mais generosos para os desempregados, enquanto as da criminalidade crescente clamam por mais polícia. Mas o fato de que agora saibamos como criminosos habituais reagem a certos incentivos econômicos e de outras espécies, abre a possibilidade de um novo papel para as políticas anti-criminais de natureza econômica. Quando o índice de criminalidade estiver muito alto, o "menu" de políticas públicas para remediar a situação deve incluir tanto medidas de natureza econômica quanto de repressão criminal. E a maneira "ótima" de fazer face a tal situação, quase que certamente, irá incluir um "mix" dos dois tipos de medidas.
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por George Felipe Dantas